Friday, November 17, 2006

Bicho-papão

A mãe acabara de deixar o quarto, após dar-lhe o beijo de boa noite. O silêncio, a escuridão e o medo tomavam conta do lugar. Ela rezava o Pai-Nosso compulsivamente. A respiração ficara ofegante. As batidas cardíacas aceleravam num ritmo quase frenético. A garganta seca, o suor escorria da testa e dos vãos entre os dedos. De repente, a porta se abria, um som assustador, deixando um estreito fio de luz iluminar todo o ambiente. A luz cegou-lhe temporariamente os olhos. Ao abri-los novamente, a penumbra estava impregnada nas quatro paredes. O desespero tomava conta mas ela silenciava o grito com as duas pequeninas mãos. Passos eram ouvidos, como se estivessem cada vez mais perto. A tensão aumentava, as mãos trêmulas e o pensamento dominado pelo terror. Num gesto brusco, ela gira a lanterna iluminando o vulto à sua frente. Ao reconhecê-lo, sua expressão de medo é ressaltada pelas linhas do rosto, que contornam seus olhos e boca. Ela preferia que o intruso fosse um completo estranho e não um rosto tão familiar. O invasor com uma das mãos segura uma cinta e com a outra abre o zíper. Mais uma noite em que ela teria que enfrentar seus medos, seus monstros. E não era um bicho-papão debaixo da cama. Era pior. Era o bicho-papai, que queria levá-la para a cama.

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