Sunday, May 09, 2010

Até que Kieslovsky nos separe

Ela: É sobre o quê o filme?
Ele: Que filme?
Ela: O do polonês. Aquele de nome difícil.
Ele: Ah, do Kieslovsky.
Ela: Isso. Sobre o que é?
Ele: É sobre ciência e fé. E sobre a fé cega que um menino tem no pai.
Ela: Como assim? O menino é cego?
Ele: Não, amor. Cega é a fé. O menino acreditava cegamente no pai.
Ela: Ah, entendi. Um dia, eu vi uma mulher cega dando um depoimento na novela.
Ele: Que novela?
Ela: Viver a Vida.
Ele: Ah, aquela em que a Alinne Moraes faz uma paraplégica?
Ela: Isso.
Ele: Mas peraí: ela faz uma cega ou uma paraplégica?
Ela: Uma paraplégica, amor. É que depois da novela entra um depoimento de pessoas reais. Pessoas que passaram por experiências difíceis de vida.
Ele: E você viu o depoimento de uma cega?
Ela: É. Ela contou que mesmo sem enxergar, conseguiu fazer faculdade, arranjar emprego. Que cara é essa, amor?
Ele: Nada não.
Ela: Não, agora você vai falar.
Ele: Não é nada, amor.
Ela: Eu conheço esse bico que você fez aí. Pode falar.
Ele: Bom, é que... é que... Amor, é que toda vez que eu começo a conversar sobre um filme legal, você me interrompe pra falar sobre essa novela.
Ela: Não entendi aonde você quer chegar.
Ele: Eu explico: você gosta de novela, eu gosto de filme de arte. Você gosta de balada, eu de bar. Você gosta de revista Contigo, eu de Dostoiésvsky. É disso que eu tô falando.
Ela: Ah, tá, você tá querendo dizer que você é inteligente e eu sou burra, né?
Ele: Não, não é isso. Ei, pára de chorar. Tá todo mundo olhando.
Ela: Tira a mão de mim. Você é um insensível. Pede a conta, por favor. Eu quero ir embora.
Ele: Querida, deixa pelo menos eu te contar o final do filme.
Ela: Que filme?
Ele: O do Kieslovsky.
Ela: Ah, sabe o que você faz com o Kieslovsky? Enfia bem no meio do seu Dostoiésvsky.

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