Tuesday, January 16, 2007

Eu, Nietzsche e Shirley*

Muitos me perguntam por que eu largo minha mulher, meus filhos e o conforto do lar para entrar naquele antro do pecado, naquela pocilga suja, naquele puteiro. Dizem isso porque não conhecem Shirley. Shirley não é como as outras prostitutas. Shirley tem sonhos. Shirley é uma mulher profunda. Não que as outras putas mais jovens não sejam - e como são -, não estou falando neste sentido. Quero dizer que Shirley é uma mulher densa, de conteúdo, que gosta de ler, que gosta de Nietzsche. Lembro-me como se fosse ontem do ciúme que senti quando ela falou pela primeira vez de Nietzsche. Achei que era um amante. O dele é maior que o meu?, perguntei. Ela riu de mim e, enquanto fumávamos um cigarro no quarto alugado, ela me abria as páginas de um novo mundo, um mundo chamado “Assim falou Zaratustra”. Demorei algum tempo para aprender a falar Nietzsche e outro tanto para pronunciar Zaratustra. Mas Shirley me incentivava. Shirley sorria. Me ensinava sobre o niilismo. É uma corrente filosófica que concebe a existência humana como desprovida de qualquer sentido, dizia ela, em tom eloqüente. Aquilo era melhor que qualquer orgasmo, eu respondia. Ela acenava com a cabeça, concordando com o que eu dizia. E todo aquele vazio, toda aquela discussão sobre o nada, que mais parecia um episódio de Seinfeld, rendia horas e horas de conversa. Às vezes, eu pagava duzentos reais para ficar apenas conversando com Shirley no quarto, sem nos tocarmos, sem mantermos relações, sem nos beijarmos. Era irônico: a proteção que eu não sentia no seio da família, eu sentia ali, deitado com a cabeça sobre o seio de Shirley, como num divã de quinta categoria, que fedia a cigarro e a sexo. Quando eu estava em sua companhia, esquecia de tudo: dos problemas, das contas a pagar e, até mesmo, da Guerra do Iraque. Só pensava em Shirley. E em Nietzsche. Um verdadeiro ménage à trois filosófico. Uma das minhas frases preferidas dele era: “Aquilo que não me destrói fortalece-me”. Pensava sempre nela quando minha esposa quebrava os pratos na parede da cozinha, ao sentir em mim o cheiro de outra mulher, cheiro de perfume barato, cheiro de Shirley. Shirley estava longe de ser bonita. Estava longe também de ser a mais gostosa e caliente prostituta da casa. Mas era a doce Shirley, a minha Shirley, a mulher que me entendia como ninguém. Jamais ousei propor o lugar-comum “Vou tirar você desse lugar”, já cantado na voz de Odair José, mas no fundo, no fundo, era isso que eu queria. Queria tirar Shirley daquele inferno e fugir com ela para bem longe dali. Não me importava quantos amantes ela já havia tido. Eu só não poderia mais continuar a viver sem ela. Não podia mais dormir com minha esposa. Para mim, o casamento é uma instituição falida. O casamento, eu não. Eu tomo viagra. E, por isso, sou capaz de ficar horas e horas mantendo relações com Shirley. Mas a nossa relação é mais que física, é metafísica, espiritual. Porém, ninguém é de ferro. De vez em quando, eu vejo Shirley nua, linda, vulgar, e não resisto: tenho que preencher todo aquele vazio existencial. Certa vez, preenchi três vezes. Sem tirar de dentro.

* Texto fictício, baseado em fatos reais, relatados por um amigo.

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