Wednesday, January 31, 2007

Um dia como outro qualquer

Era mais um dia. Um dia como qualquer outro. Um dia qualquer. Acordei cedo. Como sempre. Com colheradas rápidas e mecânicas, engoli meus cereais, sem mastigar, enquanto decifrava palavras-cruzadas, nível difícil. Encaixei o dedo indicador na xícara de café, preto e quente, enquanto devorava as notícias do dia, no jornal que, todos os dias, categoricamente, batia à minha porta. Faltam poucos dias para a eleição da nova presidência da Câmara dos Deputados. Rebelo, Chinaglia ou Fruet? Tanto faz. Olho com uma certa indiferença as notícias. Desde que o mundo tornou-se menos maniqueísta, e mocinhos passaram por bandidos, e vice-versa, e esquerda virou direita, e vice-versa, tudo ficou muito chato e a política perdeu sua importância. Pelo menos para mim. Olho para o relógio. É engraçado como mesmo estando desempregado você continua a se preocupar com horários. Como se tivesse que chegar a algum lugar em tal hora. Era apenas mais um dia. Um dia qualquer. Saio para dar uma volta. Começo a reparar nas pessoas, nas casas, nos carros. Tudo está como sempre esteve. As pessoas com a mesma expressão triste, as casas com aquele ar nostálgico e os carros, bem, os carros cada vez mais poluentes. Caminho até o meu carro, estacionado na outra quadra, em frente a um prédio antigo. Um prédio que já foi cinema - onde eu costumava falsificar a identidade para ver filmes proibidos para menores de dezoito anos -, virou igreja evangélica, voltou a ser cinema, e hoje jaz naquela rua, abandonado, esquecido e perdido em algum cantinho da nossa memória. Paro em frente ao meu carro. Olho para o céu, olho para o chão, olho para mim mesmo, no reflexo do vidro do carro. Peço a Deus que algo de diferente aconteça. Que este dia deixe de ser só mais um dia. Um dia como qualquer outro. Um dia qualquer. Desiludido, abro a porta do carro e me sento, enquanto ligo o rádio e vou girando o dial. Presto atenção na letra de uma música antiga do Lou Reed: “Oh it´s such a perfect day/ I´m glad I spent it with you/ Oh such a perfect day,/ You just keep me hangin´on/ You just keep me hangin´on”. De repente, um estrondo. Estilhaços de vidro por todo o lado. Olho, assustado, e vejo o meu capô todo amassado e o pára-brisa estourado. Em cima do capô, um vulto. Meu Deus, uma pessoa caiu em cima do meu carro. Um pára-quedista no meu pára-brisa. Apesar da ironia, da situação inusitada, me lembro que meu carro não tem seguro. Seria cômico se não fosse trágico. E a partir de então, aquele dia, definitivamente, não seria mais um dia como qualquer outro. Um dia qualquer.

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