Sunday, April 01, 2007

Margô*

Apaguei o último cigarro no último gole de café, que ocupava o fundo da xícara. Minha vida era tão inútil que eu me divertia vendo aquela bituca fedorenta boiar naquele líquido escuro. Aquela cena me fazia lembrar um náufrago, que por uma ironia do destino passava os últimos segundos de sua vida afogando-se em petróleo. Irônico, não? A pessoa passa a vida inteira procurando uma forma de ficar rica e, quando finalmente encontra, descobre que no fundo, no fundo, tudo é a mesma merda, que a morte é igual, para ricos, pobres, brancos, negros, para mim, para você.
Toda esta análise existencial fora interrompida pela doce voz de Margarete, a garçonete dos meus sonhos, que com um pergunta não tão filosófica assim me trouxe de volta à realidade.
- Quer mais alguma coisa?, perguntou, enquanto tirava o meu experimento científico de cima do balcão.
Fiquei hesitante por alguns segundos, como se precisasse de tempo para elaborar uma resposta a uma pergunta tão simples.
- Um beijo seu, Margô - respondi, com um ar meio de conquistador barato e cafajeste.
- OK, Don Juan, é hora de você levantar a bunda deste banco e fazer algo de útil pela sociedade. E saiu, me dando as costas.
Levantei, peguei meu molho de chaves, coloquei-o no bolso da jaqueta e comecei a caminhar em direção à porta de saída do bar. Bar. Se é que se pode chamar de bar aquele muquifo fedorento.
Ao sair daquele pequeno submundo, pude sentir uma brisa em meu rosto, como se tivesse vindo especialmente para mim naquele momento, por saber que eu era apenas uma pobre alma sufocada vagando pelas ruas, sem passado, sem futuro, apenas de corpo presente, perdido no tempo e no espaço.
Acendi outro cigarro. Mal dei uma tragada e senti uma vontade enorme de vomitar. Ajoelhei-me na guia da calçada e botei para fora o almoço que jamais havia botado para dentro. Porque minha vida era assim: café, cigarro e poesia. Uma dieta boêmia, marginal e vagabunda. Eu era praticamente carne e osso, uma alma penada que quem olhava sentia pena. E era isso que eu queria: piedade. Pois foi isso que eu sempre fui na vida: um coitado. E os coitados não merecem nada, além de dó.

* Texto escrito em 17/11/06.

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