Friday, December 22, 2006

Royale with Cheese


Muita gente pensa que o filme de Tarantino é sobre violência. Eu não o vejo assim. Bem, de certa forma, é sim sobre a violência, na verdade, o pior tipo dela: o racismo. Preste atenção: em Pulp Fiction - Tempo de Violência (Pulp Fiction, EUA, 1994), a violência é apenas uma conseqüência das diferenças étnicas mal resolvidas entre as personagens. Ou você já viu algum outro filme que utilize tanto a gíria pejorativa “nigger” (algo como “negão”, em português) nos diálogos? E o que é pior: em vários momentos, você vê negros utilizando a expressão para se referir a outros negros. Nem os filmes de Spike Lee são tão explícitos assim. Com um roteiro primoroso (não é à toa que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original) e com uma narrativa inovadora (infelizmente, imitada à exaustão por diretores bem menos talentosos de Hollywood), o filme é um retrato do preconceito racial existente - e muitas vezes camuflado - em Los Angeles, mote repetido 10 anos mais tarde pelo excelente, mas não tão impactante, Crash - No Limite (Crash, EUA, 2004). Um exemplo do que estou querendo dizer é a clássica discussão entre a personagem branca (Vincent Vega, interpretado por John Travolta) e a negra (Jules Winnfield, vivido pelo ótimo Samuel L. Jackson) sobre as diferenças culturais entre a América e a Europa. Utilizando todo o seu repertório pop, Quentin Tarantino tece um diálogo brilhante sobre fast food, em que John Travolta pergunta a seu colega gângster o porquê de, na Holanda, o Quarteirão com Queijo, um dos sanduíches mais populares da cadeia de lanchonetes Mc Donald´s, chamar-se Royale with Cheese. Após a negativa do amigo, Travolta explica: é por causa do sistema métrico diferente. Mais tarde, vemos Jules fazendo a mesma pergunta a um jovem traficante, branco. O rapaz, sem muito esforço e para surpresa de Jules, dá a resposta correta, deixando no ar uma suposta superioridade intelectual branca sobre a negra. E não pára por aí: Jules mata um garoto branco (o mesmo que deu a resposta certa), enquanto Vincent dá um tiro, mesmo que acidentalmente, em um jovem negro. Coincidência ou uma clara alusão ao ódio racial? Seja como for, Pulp Fiction, definitivamente, não é um filme sobre violência, gângsters, drogas, boxe ou teologia. É sim sobre brancos querendo, o tempo todo, foder negros. E vice-versa. Em alguns momentos, foder é uma metáfora, noutros é literalmente o que vemos, de forma explícita e aterrorizante, na tela.

* Eduardo Spinelli é escritor, roteirista, cinéfilo e, agora, com este texto, metido a crítico de cinema, mesmo que seja só pra tirar uma onda.

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