Thursday, December 14, 2006

Um caipira na cidade grande

Dia de entrevista. Ansiedade. Tensão. Chuva em São Paulo. Era a primeira vez que eu, um caipira do interior, iria tentar a sorte na cidade grande. Caipira mesmo, daqueles que falam porrrta, porrrteira e porrrtifólio. Me senti um Crocodilo Dundee naquela selva de pedra. Na terra da garoa. Em Sampa todo mundo tem pressa, ninguém olha você nos olhos, time is money. Na rodoviária, diversos nordestinos carregando caixas de televisores na cabeça. Chata. Não, não, chata não era a cabeça do nordestino, era a espera na fila da bilheteria do metrô. Metrô lotado. A porta automática quase me divide em dois. Cheiro de suor no ar. Pessoas se encostam e se esfregam de forma sedutora, como num baile funk animado ou num documentário sobre rituais de acasalamento no Discovery Channel. Chego à Paulista. Compro um guarda-chuva (meu machismo me impede de falar sombrinha) de cinco reais no camelô. Estou próximo à agência. Toco o interfone. Sou recepcionado por uma secretária deliciosa. Mal-humorada, mas deliciosa. Reparo que ela olha para o meu guarda-chuva, olho para o céu, através da janela, e vejo um sol do inferno. “Tempo louco, né?”, eu digo meio sem jeito. Ela responde com um risinho mais sem jeito ainda. Começo a ficar impaciente, incomodado com a situação, com a recepcionista e com o guarda-chuva. Aproveito um segundo de distração da moça e coloco rapidamente o guarda-chuva, de mais ou menos um palmo, dentro da calça, deixando aquele volume tomar conta do tecido e, com isso, pender para a esquerda. Se antes me sentia ridículo, agora me sinto um ator de filme pornô, o homem-berinjela. “A Dona Suzy já vai atendê-lo. Pode me acompanhar até a sala de reunião”, diz a secretária, interrompendo bruscamente meus pensamentos. Ela sai da sala, sento à mesa e aguardo a dona da agência chegar. Quando a tal da Dona Suzy entra na sala, levanto-me e, antes de estender minha mão para cumprimentá-la cordialmente, ajeito o volume na calça, que ameaçava cair, revelando toda a farsa. Dona Suzy tira os óculos, olha fixamente para o volume e me diz: “É um prazer conhecê-lo. Muito prazer mesmo”. Naquele dia, fui embora feliz da agência, com um emprego, um salário mais do que justo e uma fama que eu não sabia que tinha. Afinal, acabei sendo contratado não pelo meu talento, e sim pelo meu talento. Se é que vocês me entendem.

1 Comments:

Blogger gcbgobbato said...

Isso é sério, ou é um exercício de estilo? D. Suzy te contratou msm? Ser contratado é sempre uma sensação muito boa. E aí, foi bom pra vc?
E a secretária deliciosa, tem namorado? Pelo mau humor, acho que ela precisa me conhecer...

6:08 AM

 

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