Friday, February 16, 2007

Quando não há expectativa não há decepção.

Nos últimos tempos, esta frase aí do título tem sido a minha filosofia de vida. E não sei por que, ontem, ela me veio à cabeça, durante a projeção do filme Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, EUA, 2006). Impossível não lembrar de Beleza Americana, outro grande filme underground que critica a sociedade americana. O legal do Miss Sunshine é que por ser meio drama, meio comédia, se você for para dar risada, vai se emocionar. Se você for para se emocionar, vai morrer de rir. Sabe, é um destes filmes que funcionam tanto para entreter quanto para fazer pensar. Afinal, é impossível sair do cinema indiferente. Uma boa sugestão é sair com amigos após a sessão e discutir sobre o filme numa mesa de bar. Acredite: o filme vai render uma boa conversa e boas discussões filosóficas (até porque Proust e Nietzsche são citados). O tema central é a obsessão do americano pelo sucesso, pela vitória, e o perigo que reside nesta paranóia. O filme é muito feliz na tipificação dos personagens: um guru de auto-ajuda que não passa de um fracassado, pois não consegue aplicar à própria vida os seus ensinamentos de motivação; um adolescente problemático que se torna tão obcecado por seu sonho de ser piloto que acaba isolando-se da família e do mundo, fazendo voto de silêncio; uma menina que almeja ser uma miss, mas que não possui nem atributos nem vocação para isso; um intelectual gay suicida; e um velho subversivo que, por conta de seu vício em heroína, acaba sendo expulso do asilo e volta a morar na casa do filho. A mãe parece ser a mais normal de todos, se é que existe alguém normal nesta família. Não é à toa que o cartaz do filme em português traz o slogan “De perto, nenhuma família é normal”. Quanto à parte técnica, o filme é primoroso. Um roteiro bem amarrado, com diálogos contundentes. Quer um exemplo? A cena em que o médico, logo após dar a notícia do falecimento do avô, grita “Linda!”, para chamar a assistente funerária. É um choque para a platéia, que não sabe se ri ou se chora. Mérito do roteiro, é claro. A direção de arte também tem bons momentos, como a composição da cena do casal sentado na cama do motel, um de costas para o outro, com o abajur ao fundo, um pouco antes de Richard (Greg Kinnear) sair pela noite dirigindo uma mobilete. A trilha é emocionante, as situações hilárias (Meu Deus, o que é aquela buzina?) e o humor negro (que envolve o corpo do avô), embora meio clichê, convence. O momento pastelão diminui o ritmo do filme e cansa um pouco, mas a interpretação da atriz mirim Abigail Breslin (no papel de Olive) e as tiradas ácidas de Alan Arkin (no papel de avô) já valem o ingresso. Vale lembrar que ambos receberam indicações ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e Atriz Coadjuvante, respectivamente. Já a kombi amarela enferrujada (a escolha da cor tem algo a ver com Sunshine?) é uma óbvia metáfora para a instituição família. Pode ser velha, ridícula, você às vezes tem vergonha dela, mas é a sua família, e só funciona quando todos estão juntos e literalmente ajudam a empurrar.
A grande lição que tirei deste belíssimo filme é que é preciso saber a hora de abrir mão de alguns sonhos. Veja só o exemplo da menina gordinha que quer ser miss e do rapaz daltônico que quer pilotar aviões. Não estou dizendo que devemos desistir dos sonhos. Apenas que, às vezes, é bom termos um plano B, uma segunda alternativa, caso não tenhamos nascido para aquilo que tanto sonhamos. Caso contrário, pode ser frustrante. Devemos conviver com nossas limitações e, acima de tudo, buscar nossa felicidade. Às vezes, tentamos ser o que não somos, apenas para agradar uma pessoa que amamos. Outra coisa: não há somente vencedores e perdedores, da mesma forma que não existe apenas bem e mal, céu e inferno. Esta visão maniqueísta é furada. O mundo não é tão paradoxal assim. Nem tão simples. Crie expectativas, pero no mucho. Siga seus sonhos, mas não faça disso uma obsessão, porque senão o sonho acaba virando um pesadelo.

1 Comments:

Blogger gcbgobbato said...

Muito boa a crítica. Vc viu coisas que eu não havia percebido. Ainda sim, fiz lá meus palpites... vai lá...
basuraensulugar.blogspot.com

Tem outra tb sensacional:
http://www.cinemaemcena.com.br/frm_Criticas_Detalhe.aspx?cod_filme=4408&tipo=criticas&id=8861

4:37 PM

 

Post a Comment

<< Home