Tuesday, February 13, 2007

Pior do que não ter braços e pernas é não ter coração*

Você já assistiu a um desenho chamado Os Oblongs? É sobre uma família que mora perto de um pântano poluído e que, devido ao contato com os dejetos químicos produzidos por uma fábrica, sofre com a perda de membros e mutações genéticas. Na verdade, eles não sofrem com isso. Muito pelo contrário, nutrem uma espécie de orgulho por fazerem parte deste grupo de excluídos, considerado por muitos como “freaks”, anormais, esquisitões. A galeria de personagens é bizarra: Milo, um “loser” hiperativo com deficiência de atenção; Biff e Chip são dois gêmeos siameses que se metem em situações hilárias; Beth, a caçula possui uma protuberância na cabeça, que parece crescer a cada episódio; Pickles, a mãe, é careca e alcoólatra. O mais carismático e engraçado (?) de todos é Bob Oblong, o pai da família, que não possui membros superiores nem inferiores. O desenho é exibido na Cartoon Network, dentro da programação só para maiores Adult Swin, e também no SBT, sabe-lá-em-que-horário, pois depende do humor do patrão Silvio Santos. O fato é que, um dia desses, eu estava no trem metropolitano que vai da Estação Presidente Altino até a Vila Olímpia. De repente, vi uma cena forte. Não era um desenho. Muito menos animado. Mas mesmo assim lembrei dos Oblongs. Era uma mulher pedindo esmola. Ela, assim como Bob Oblong, não tinha braços nem pernas. Mas ela, ao contrário do Bob Oblong, não tinha graça. Ela havia amarrado uma sacola com as moedas no pescoço e exibia, para todos que estavam no trem, seus pseudo-membros, que mais pareciam pequeninos tocos de árvores. Parecia jogar na nossa cara toda a vergonha e raiva que sentia do mundo. Ela se aproximou de mim. Senti pena, mas algo tomou conta de mim e me paralisou. Fui incapaz de abrir a mão pra lhe dar algum trocado. Naquele dia, pensei comigo que antes de Deus consertar pessoas como ela, é preciso consertar seres humanos como eu. Se é que posso ser chamado de humano.

* Este texto é fictício e, portanto, não representa os sentimentos e as ideologias do autor.

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