Monday, December 10, 2007

O dia em que tive uma conversa com Bozo


Esfreguei os olhos repetidas vezes, mas não acreditei na imagem que chegava até minha retina. Era ele mesmo. Ali, na minha frente. Sentado à mesa, fumando seu cigarro e dando longas e pausadas baforadas. Bozo, o palhaço. Aquele mesmo que fora minha companhia nas manhãs de segunda a sexta, quando ninguém queria ser meu amigo por me achar uma criança esquisita demais. Aquele palhaço careca, com um cabelão vermelho e uma maquiagem carregada estava na minha sala de jantar. Inacreditável. Incrível. Se contar, ninguém acredita. Mas o que Bozo estava fazendo ali? Resolvi perguntar. Ele ficou algum tempo parado, silencioso, com o olhar perdido, vagando no horizonte. Estava bem velho, decadente e infeliz. Depois de algum tempo, finalmente proferiu as seguintes palavras:
- Sabe, eu vim aqui para lhe dizer algo muito importante.
Enquanto ouvia atentamente suas palavras, aproximei-me da estante onde guardava meus discos de vinil antigos. Meus dedos foram dançando pelos diversos bolachões e, como se eu tivesse reconhecido apenas pelo tato, finalmente retirei um disco todo azul, um azul desbotado e com cheiro de nostalgia. Era o disco do Bozo, aquele que vinha com o Passaporte da Alegria do Playcenter, para você recortar, e tinha um encarte dentro com a caricatura do Bozo, para você colorir. Ou você acha que eu perderia aquela oportunidade única de pedir um autógrafo do palhaço mais famoso do mundo?Ainda com os olhos naquela figura azul e vermelha, patética, que fedia à nicotina, indaguei:
- Será que você podia, por favor...
- O que tenho para lhe dizer... - interrompeu-me o palhaço, como se não tivesse ouvido uma palavra sequer do que eu dissera. - O que tenho para lhe dizer é que... é que... é que a vida é uma grande piada.
Nisso, caiu morto no chão da minha sala, como se atingido por um ataque fulminante. Um saco de risadas disparou e uma gargalhada assustadora ecoou por toda a sala. Um triste fim para uma criatura que tanta alegria levara a tantos milhares de lares. Mas, quer saber, Bozo tem razão: a vida é uma piada. E daquelas bem sem graça.

* Eduardo Spinelli é redator, roteirista, web writer e, nas horas vagas, escreve contos absurdos como este.
Photo by Raquel Cunha